ABRIGO
Um abrigo é um linha fechada. Um papel branco que tem um branco dentro e um branco fora. O branco dentro é meu e chama-se OCO, o outro não sei.Quando era pequeno inventava uma história de seres invasores que habitam este bocado de papel. Estes seres crescem e devoram o branco furiosamente à medida que a minha caneta segue o instinto comilão da minha imaginação. As linhas enquanto procuram ideias às vezes amontoam-se e não dão em nada. Então deito fora as linhas e as ideias e começo de novo. Cada desenho tem mais certeza que o anterior. Menos linhas, Mais ideias. Já não deito fora. Passo por cima e aproveito pequenos acidentes, tento a sorte, às vezes funciona. São formas inteligentes e estáveis que habitam o branco. A ideia é forte, confiável e abrigada. As boas ideias dão sempre boas obras.

O Século XX mostrou-nos o lugar poético da ausência, dos quadrados pretos de Malevitch, das «Noites Brancas» de Rauchenberg, dos «4’ 33» de John Cage. Mas e a vida? Chegará a arte a tocar-nos a alma por um segundo? Num mundo do hiperconsumo da imagem, sempre incompreendemos os vazios. Na vacuidade dos discursos dos curadores e dos académicos, a vida esboroa-se. O silêncio confinante perturba-nos e asfixia-nos. É urgente voltar às coisas simples e quotidianas e reencontrar o silêncio. Juntar o «nada» e a vida. É isso que comove realmente Boriska, o fabricante de sinos de Trakovsky, quando o grande objeto de bronze soa pela primeira vez. A confissão do jovem fabricante de sinos , era o soar de um vazio, mas era sobretudo a Fé de que o homem pode sempre perseguir a perfeição. O que aliás não é segredo nenhum.
RICARDO ROQUE MARTINS